Portugal perdeu mais de metade das escolas públicas em 15 anos
Ensino privado conseguiu aumentar número de estabelecimentos e também de alunos. Estatísticas revelam ainda envelhecimento da classe docente.
PÚBLICO | 30.07.2016
O país perdeu mais de metade das escolas públicas nos últimos 15 anos, mostram as mais recentes estatísticas do Ministério da Educação, divulgadas nesta sexta-feira. Já os colégios privados, pelo contrário, aumentaram, ainda que ligeiramente.
“É natural, uma vez que os estabelecimentos públicos são muito mais numerosos, estando espalhados por todo o país”, observa o presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), Filinto Lima, recordando que encerrar todas as escolas com menos de 21 alunos foi uma opção política com prós e contras, mas assumida nos últimos anos.
No ano lectivo de 2000/01 havia aulas em 17.141 escolas, 14.533 das quais da rede pública, enquanto na rede privada funcionavam 2608 colégios. No último ano lectivo para o qual há dados disponíveis, o de 2014/15, regista-se um decréscimo de cerca de 58% nos estabelecimentos públicos, que ficaram reduzidos a 6161 escolas.
Já o ensino particular apresenta um saldo positivo, ao subir, entre 2000/01 e o ano lectivo de 2014/15, para 2737 escolas em funcionamento. Só entre 2013/14 e o ano lectivo seguinte desapareceram 414 escolas públicas — e este nem sequer foi o valor mais elevado dos últimos anos.
Menos 8000 alunos num ano
“A aposta foi criar centros educativos com os melhores equipamentos e recursos humanos, encerrando escolas de aldeia que por vezes não tinham mais de cinco ou seis alunos de diferentes níveis de ensino”, recorda Filinto Lima. “Isso foi bom para os estudantes. Mas matou as aldeias”, admite. Uma opção política que, apesar de tudo, é cada vez menos contestada, diz também.
A evolução do número de estudantes confirma também aquele cenário. Se, muito por culpa da situação demográfica do país, entre 2014/15 e o ano transacto se sumiram do sistema de ensino nada menos que 8107 alunos, isso aconteceu unicamente à custa das escolas públicas: houve mais 2415 matrículas no particular, que passou neste período de 331.930 para 334.345 alunos. Já as escolas públicas viram baixar substancialmente a procura, tendo passado de 1.376.153 para 1.365.631 matrículas. É uma descida de 10.522 estudantes.
O dirigente da ANDAEP avisa que é preciso encarar estes números com cuidado. Há muitos pais que, não conseguindo lugar para os filhos no pré-escolar gratuito, optam por inscrevê-los no privado, exemplifica.
Aquilo que mais chamou a sua atenção neste relatório relaciona-se, de resto, também com o aumento das taxas frequência do ensino particular mas noutro nível de ensino, o secundário. Há 15 anos, 83,2% dos estudantes do secundário frequentavam escolas públicas, mas, em 2014/15, já só eram 79,4%. Os restantes 4% passaram-se para o privado, um fenómeno que Filinto Lima acha significativo, por poder indiciar que se trata de uma opção baseada numa expectativa de acesso facilitado ao ensino superior, por via da obtenção de melhores notas nas avaliações internas. “Entre o ensino básico e o ensino secundário há pais que mudam de filosofia e passam a preferir os colégios”, observa.
“Motivo de orgulho”
O envelhecimento da classe docente é outro aspecto relevante destas estatísticas, como de resto o PÚBLICO já noticiou: no ensino público, não chegam a 500 os professores com menos de 30 anos. Um facto que, para aquele dirigente, não é negativo, uma vez que mais idade significa também mais experiência e mais habilitações. Hoje em dia, os docentes que dão aulas abaixo do 3.º ciclo têm incomparavelmente mais habilitações académicas do que em 2000. “O Ministério da Educação devia abrir os quadros a pessoal mais novo. E pôr os mais velhos a supervisioná-los”, aconselha Filinto Lima, para quem este relatório revela uma falha: não apresenta dados relativos à educação especial.
Já a redução das taxas de retenção e desistência no ensino básico é “motivo de orgulho”, apesar de “ainda andar longe das metas europeias”: no espaço de 15 anos desceram de 8,8% para 4,1% no primeiro ciclo, e “não parece que tenha sido por facilitismo ou falta de exigência dos professores”.
O estudo revela ainda números ínfimos no que à escolarização de adultos diz respeito. Mesmo admitindo falhas no programa Novas Oportunidades, o mesmo especialista diz que desde que ele acabou, em 2013, nunca mais houve um verdadeiro investimento nesta área.
Escolas sem dinheiro para luz e água
O orçamento deste ano, com cortes que chegam aos 20%, só chegou em junho, o que obriga escolas a poupar em cinco meses o que deveriam ter poupado num ano
Diário de Notícias | 21.07.2016
As escolas estão sem dinheiro para as despesas correntes, como a água ou a eletricidade, avança hoje o Jornal de Notícias. De acordo com a publicação, os diretores dos estabelecimentos de ensino foram surpreendidos com cortes, em alguns casos na ordem dos 20%, quando receberam os orçamentos para este ano, apenas no final de junho. Quer isto dizer que as escolas têm de poupar nos últimos cinco meses do ano aquilo que deveriam ter poupado o ano inteiro.
O JN avança que em Ermesinde já não há dinheiro para pagar a luz. O agrupamento de escolas tem sete mil euros por mês para gastar e a conta da eletricidade deste mês já vai nos 10 mil. Na Maia, escreve o jornal, “o caos está instalado” e no agrupamento de Benfica, Lisboa, o diretor diz que terá de pedir um reforço de verbas.
O Ministério da Educação esclarece o jornal que analisará esses pedidos caso a caso.
Tribunal volta a dar como inexistentes limites às matrículas nos colégios com contrato
Despacho do Governo restringe frequência nos colégios com contrato de associação aos alunos que residam na mesma área geográfica. Tribunal de Coimbra considera que este novo limite “inexiste”.
PÚBLICO | 20.07.2016
Pode uma sentença favorável ao Ministério da Educação beneficiar a parte contrária? Os colégios com contrato de associação estão convictos que assim é não com uma, mas com as três sentenças já proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAFC) sobre outras tantas providências cautelares interpostas por estabelecimentos do ensino particular contra o despacho de Abril que regulamenta as matrículas.
Neste despacho, assinado pela secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, foi pela primeira vez introduzida uma cláusula relativa aos colégios com contratos de associação, restringindo a sua frequência aos alunos que residam na área geográfica do estabelecimento de ensino, uma prerrogativa que, formalmente, já não existe no ensino público.
Como muitos dos alunos dos colégios com contratos de associação não residem nos concelhos onde estão localizadas aquelas escolas, que são financiadas pelo Estado para garantir ensino gratuito, cerca de 20 destes estabelecimentos de ensino interpuseram providências cautelares com vista à suspensão desta norma do despacho de matrículas, alegando que a sua concretização levaria a uma perda acentuada de alunos e mesmo ao seu encerramento.
Pela terceira vez, o mesmo juiz do TAFC decidiu não responder pela positiva, desta vez ao Instituto de Desenvolvimento Educativo do Centro, em Lordemão, optando por não suspender o despacho de Alexandra Leitão. Mas as razões por que o fez e que tem repetido na íntegra nas três sentenças mereceram aplausos tanto da Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo, como do Movimento de Escolas Privadas com Ensino Público Contratualizado. Consideram que, na prática, lhes foi dada razão e que os alunos se poderão inscrever nos colégios com contrato independentemente da área em que residam.
E o que argumenta então o juiz Carlos Fernandes? Que neste momento, “e de acordo com as normas citadas [estipuladas no despacho das matrículas], ainda não é possível definir o tal limite correspondente à ‘área geográfica de implantação da oferta abrangida pelo respectivo contrato’”, conforme referido no diploma. Isso acontece, acrescenta, porque a área geográfica de implantação da oferta não está ainda “legal ou contratualmente definida”. “Analisados os contratos em causa e a demais legislação aplicável, tal (nova) limitação geográfica inexiste”, sustenta o TAFC.
Se inexiste não pode causar os efeitos perniciosos alegados pelos autores da providência cautelar, conclui-se, não existindo assim fundamentos para avançar com o decretamento provisório da providência e a consequente suspensão das novas normas de matrícula. Lembra o tribunal que este decretamento provisório só pode ocorrer quando se verificar que “haja fundado receio da constituição da situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação”.
“Ora, não se sabendo o alcance, quase diríamos… geográfico, das normas a suspender, não se pode delas retirar qual o alcance eventualmente adverso das mesmas, sobretudo quando a requerente [o Instituto de Desenvolvimento Educativo do Centro] tem os seus direitos assentes em contratos que nada referem quanto à apontada limitação”, estabelece o TAFC.
Já o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga optou, no início do mês, pelo decretamento provisório de uma providência cautelar contra o mesmo despacho das matrículas, interposta pelo Colégio de Campos, em Vila Nova de Cerveira. O tribunal justificou a decisão por considerar que se está perante uma situação de “irreparabilidade absoluta”. E qual é esta? A impossibilidade de muitos dos alunos do Colégio de Campos se poderem inscrever caso o despacho de Alexandra Leitão se mantenha válido, uma vez que residem fora da área geográfica do colégio.
Provedor de Justiça nega ter feito juízo de valor sobre contratos com colégios
Governo defende a legalidade da redução do números de contratos de associação dos colégios com o Estado.
LUSA | 16.07.2016
O Provedor de Justiça, José de Faria Costa, esclareceu em comunicado que “não antecipou qualquer tipo de juízo valorativo e final” nos pedidos de esclarecimento enviados ao Ministério da Educação sobre a polémica dos contratos de associação que opõe o Governo aos colégios.
Num curto comunicado, no qual reforça que o processo de esclarecimento ainda decorre, e que não existe ainda qualquer decisão final sobre a questão dos contratos de associação, a instituição declarou que, com o pedido de esclarecimento enviado ao Ministério da Educação (ME), “o Provedor de Justiça não antecipou qualquer tipo de juízo valorativo e final sobre a matéria em apreço”.
Os esclarecimentos surgem na sequência de uma conferência de imprensa da Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP), em que o director executivo afirmou que na carta enviada à tutela, e da qual a associação teve conhecimento, o provedor fazia afirmações que colocavam em causa a validade da argumentação do Governo na defesa da legalidade da redução do números de contratos de associação dos colégios com o Estado.
“O senhor Provedor de Justiça considera que a interpretação do contrato apresentado pelo Governo publicamente não é viável”, disse então Rodrigo Queiroz e Melo. O provedor disse estar a aguardar os esclarecimentos solicitados e que “após apreciação de todos os elementos do procedimento de queixa, o Provedor de Justiça tomará a sua decisão final”.
O ME promoveu uma reavaliação da rede escolar, para suprimir redundâncias na oferta, e avaliar a necessidade de manter todos os contratos de associação com os colégios, que financiam a frequência de turmas que não encontram alternativas na escola pública.
Com base nesse estudo, a tutela determinou uma redução de turmas de início de ciclo para o próximo ano lectivo de 57%: de 656 em 2015/2016 para 273 em 2016/2017, o que representa uma poupança de quase 31 milhões de euros para o Estado. A AEEP afirmou que este estudo da rede não tinha validade para fundamentar “a brutalidade dos cortes” decididos.
Existe também uma guerra jurídica, pela qual a secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, também jurista e especialista em contratos interadministrativos com o Estado, deu a cara desde o início. A governante defende desde o início da polémica a legitimidade do Governo para rever, a cada início de ano lectivo, o número de turmas de início de ciclo – 5.º, 7.º e 10.º anos de escolaridade – a financiar pelo Estado nos colégios privados.
Para os colégios, esta posição viola o estipulado nos contratos plurianuais assinados ainda no mandato do ex-ministro Nuno Crato, para vigorar entre 2015/2016 e 2017/2018, e nos quais, defendem os privados, está definida a abertura de um número de turmas em início de ciclo a cada ano lectivo de vigência do acordo.
Tribunal de Coimbra nega limites às matrículas nos colégios com contratos de associação
Novas normas definidas pelo Ministério da Educação não se aplicam por não se encontrar definida qual a limitação geográfica a que os colégios deveriam obedecer para aceitar matrículas. Ministério não comenta.
PÚBLICO | 13.07.2016
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAFC) considerou, nesta segunda-feira, que a limitação geográfica que o Ministério da Educação quer impor às matrículas nos colégios com contratos de associação não existe, já que essa limitação não se encontra definida. Em resposta a mais uma providência cautelar contra o despacho de matrículas assinado pela secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, o TAFC é claro na sentença datada de 11 de Julho a que o PÚBLICO teve acesso.
Ali se escreve o seguinte: “Neste momento e de acordo com as normas citadas [estipuladas no despacho n.º 1-H/2016], ainda não é possível definir o tal limite correspondente à ‘área geográfica de implantação da oferta abrangida pelo respectivo contrato’” de associação, conforme referido no diploma.
E qual a razão desta impossibilidade? Explica o TAFC que aquela área geográfica de implantação a oferta não está ainda “legal ou contratualmente definida”. “Analisados os contratos em causa e a demais legislação aplicável, tal (nova) limitação geográfica inexiste”, sustenta o tribunal. É, aliás, com base nesta alegada inexistência que o TAFC optou por não suspender as novas normas relativas aos colégios com contratos de associação que foram introduzidas no despacho das matrículas.
Lembra o tribunal que para esta suspensão é necessário o decretamento provisório da providência cautelar e que este só pode ocorrer quando se verificar que “haja fundado receio da constituição da situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação”.
O processo de matrículas terminal no final do mês. Na providência interposta pelo Instituto Pedro Hispano, localizado no concelho de Soure, alega-se que a restrição das matrículas aos alunos residentes na “área geográfica de implantação” do colégio irá levar a “uma diminuição de alunos, com consequentes e vastos prejuízos” para aquele estabelecimento.
Ora, alega o TAFC, não se pode dizer que este receio se vá concretizar uma vez que as novas normas de matrícula “só poderão valer quando por contrato, por acto administrativo ou por acto normativo for definido o conceito” de área geográfica de implantação. “Ora, não se sabendo o alcance, quase diríamos….geográfico, das normas a suspender, não se pode delas retirar qual o alcance eventualmente adverso das mesmas, sobretudo quando a requerente [o Instituto Pedro Hispano] tem os seus direitos assentes em contratos que nada referem quanto à apontada limitação”, estabelece o TAFC.
Em resposta ao PÚBLICO, o Ministério da Educação informou que “não comenta decisões judiciais, dá apenas nota dos factos” e estes, acrescenta, são os seguintes: “ o tribunal deu razão ao ministério nas duas únicas providências decididas até agora”. Não especificou quais.
Na semana passada, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga optou pelo decretamento provisório de uma providência cautelar contra o mesmo despacho das matrículas, interposta pelo Colégio de Campos, em Vila Nova de Cerveira. O tribunal justificou a decisão por considerar que se está perante uma situação de “irreparabilidade absoluta”. E qual é esta? A impossibilidade de muitos dos alunos do Colégio de Campos se poderem inscrever caso o despacho de Alexandra Leitão se mantenha válido, uma vez que residem fora da área geográfica do colégio.
Colégios garantem gratuitidade
Ambas as sentenças acabam por ter os mesmos efeitos, frisou nesta quarta-feira o director executivo da Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo, Rodrigo Queiroz e Melo. Ou seja, os alunos vão poder matricular-se nestes colégios com contratos de associação independentemente do local onde residam, frisou. Foram interpostas cerca de providências contra o despacho de Alexandra Leitão.
Rodrigo Queirós e Melo adiantou, por outro lado, que há vários colégios a quem o Ministério da Educação retirou o financiamento para novas turmas dos anos iniciais de ciclo (5.º, 7.º e 10.º ano), que estão a aceitar matrículas estas garantindo a “gratuitidade” da sua frequência. “Independentemente do desfecho judicial destes casos, que acreditamos seja a nosso favor, estes colégios garantirão que esta gratuitidade se manterá até ao final do próximo ano lectivo”, acrescentou.
Um deste colégios é precisamente o Instituto Pedro Hispano, que faz parte dos 39 a quem o ME retirou financiamento para abrir novas turmas de início de ciclo, por se encontra numa zona onde existe oferta pública.
“Crato foi o que mais massacrou a escola pública desde o 25 de Abril”, acusa Ana Benavente
Movimento em defesa da escola pública foi a Belém sensibilizar o Presidente para a importância do ensino financiado pelo Estado e a necessidade de “reverter o ciclo de cortes” no próximo Orçamento do Estado.
PÚBLICO | 08.07.2016
No movimento em defesa da escola pública ninguém ficou surpreendido por Nuno Crato ter confirmado que será testemunha dos colégios privados contra os cortes nos contratos de associação na batalha judicial que se avizinha. Esta sexta-feira, à saída da audiência que a plataforma pediu ao Presidente da República, Mário Nogueira (Fenprof), Helena Roseta e Ana Benavente deixaram claro que se tratava de uma situação normal no âmbito de processos judiciais.
Mas para a antiga secretária de Estado da Educação, a socialista Ana Benavente, é claríssima a posição que o ex-ministro vai tomar: “Não restam dúvidas nem surpreende ninguém que ele estará do lado dos colégios contra a escola pública, porque foi o governante que, desde o 25 de Abril, mais massacrou e fez retroceder a escola pública em Portugal”. Portanto, rematou Mário Nogueira, “isso é uma coisa perfeitamente natural”.
De sensibilidades políticas diferentes, Nogueira, Roseta e Benavente integram o movimento que promoveu a manifestação de 18 de Junho e uma petição para que o apoio a colégios privados “tenha lugar apenas quando a resposta pública é insuficiente” e que seja garantido “o financiamento adequado à escola pública”.
Agora, foram sensibilizar Marcelo Rebelo de Sousa para o papel do ensino financiado pelo Estado: “A escola pública consegue hoje acolher e responder a 87% dos alunos com necessidades educativas especiais, formou a geração mais qualificada de portugueses, conseguiu uma resposta positiva a sucessivos alargamentos de escolaridade e já vamos no 12º ano, apesar de todas as dificuldades”, sublinhou Mário Nogueira, no final do encontro.
Mas mais do que isso, quiseram também sensibilizar o Presidente para a importância do próximo Orçamento do Estado: “Esperamos que seja o momento de começar a inverter o ciclo de corte e de asfixia dos últimos quatro anos”, porque, insistiu Mário Nogueira, “o início da reversão da rota de corte é fundamental a partir de Janeiro”.
Por isso, adiantou o líder da Fenprof, os próximos passos do movimento serão em torno Orçamento do Estado de 2017. “Aquilo que vai ser a educação em Portugal, a escola pública, a sua capacidade de organização, de funcionamento e de resposta vai depender do investimento, que é hoje mais do que indispensável depois de nos últimos quatro anos terem sido mais de dois mil milhões cortados na escola pública”, sublinhou Mário Nogueira.
Sobre os processos judiciais anunciados pelos colégios privados, apenas espera que não perturbe o arranque do ano lectivo.
“A educação tem que ser para todos e isso não se consegue com ensino privado”
A académica norte-americana Antonia Darder tornou-se numa voz activa contra a agenda neoliberal na Educação e em defesa dos modelos públicos de ensino. “A resposta para os problemas da educação não é a sua privatização.”
PÚBLICO | 08.07.2016
O livro de Antonia Darder Cultura e Poder na Sala de Aula foi lançado há 25 anos, mas continua a ser um marco na reflexão sobre a inclusão de minorias étnicas e culturais através da educação. Depois disso, a académica norte-americana, nascida em Porto Rico, construiu uma carreira que fez dela uma intelectual influente e uma activista reconhecida. Actualmente ocupa a Leavey Presidencial Endowed Chair em Liderança Moral e Ética, na Escola de Educação da Universidade Loyola Marymount, nos EUA. Esta semana esteve em Portugal para uma conferência sobre o futuro da educação pública, promovida pelo Sindicato dos Professores da Grande Lisboa.
A conferência em que participou acontece num contexto em que o país está a sair de um debate acerca da liberdade de escolha das famílias, a propósito de um corte no financiamento de alguns colégios privados. Como vê a relação entre escolas públicas e privadas?
O ensino público é fundamental para uma sociedade democrática, porque cria um espaço em que as crianças podem encontrar-se e aprender a participar na vida cívica. Todavia, aquilo a que estamos a assistir, através das políticas neoliberais, é que os espaços públicos nas nossas sociedades estão a minguar. A resposta para os problemas da educação não é a sua privatização. O ensino público permite às pessoas terem uma palavra sobre aquilo que acontece, o que não acontece no ensino privado.
“A questão com que estamos a lidar hoje, especialmente tendo em conta o movimento de privatização do ensino, é perceber em que medida é que podemos realmente proteger os nossos direitos democráticos dentro da educação”
Qual deve ser o papel das escolas privadas num sistema de educação?
Sempre houve escolas privadas, que genericamente eram o local da educação da elite. Depois começou a passar-se a ideia de que era possível alargar esta educação de elite aos mais pobres, mas a verdade é que não se trata da mesma educação. A questão com que estamos a lidar hoje, especialmente tendo em conta o movimento de privatização do ensino, é perceber em que medida é que podemos realmente proteger os nossos direitos democráticos dentro da educação.
Em que sentido?
A minha pergunta é: estes ambientes de educação privada têm em conta as questões mais profundas da democracia e da cidadania? O ensino público deve ser humanizador e promover a liberdade de ideias. A faixa ideológica do ensino privado é muito mais estreita. Parte do motivo pelo qual o ensino público é público é a necessidade de proteger a inclusão de todos os cidadãos. A educação tem que ser para todos e isso não se consegue garantir com ensino privado.
Nos EUA, há mais de 20 anos que existe o movimento das chamadas charter schools [escolas privadas que recebem financiamento público]. Qual é a sua avaliação dessa experiência?
Tem havido investigação recente que não confirma a ideia de que estas escolas são melhores do que as escolas públicas a educar as crianças. Isto não significa que não haja charter schools que são boas, o que estou a dizer é que, da mesma forma que há disparidades na educação que é recebida pelas crianças em escolas públicas, também há disparidades na educação que é recebida pelas crianças em escolas privadas. E não podemos esquecer que há dinheiro público a ser canalizado para meios privados, em lugar de estar a ser usado para reforçar a educação pública, que sabemos que é um dos pilares da democracia.
“A minha pergunta é: estes ambientes de educação privada têm em conta as questões mais profundas da democracia e da cidadania? O ensino público deve ser humanizador e promover a liberdade de ideias. A faixa ideológica do ensino privado é muito mais estreita”
Esta é uma discussão que está a ocorrer em vários países. Como explica esteve movimento global?
A lógica do neoliberalismo é a de que tudo deve ser visto do ponto de vista das finanças, incluindo a educação. A educação costumava ser um tema protegido dentro dos espaços públicos, mas isso mudou e agora tornou-se um produto que se pode vender e comprar. Mas, da mesma forma que acredito que ninguém devia estar a lucrar com a doença, também não devem estar a lucrar com a educação das nossas crianças. Temos uma tensão aqui que é ideológica e com a qual temos que lutar. Nem tudo pode ser construído nos termos da agenda neoliberal.
Essa agenda tem consequências no sector educativo?
Tem-se passado a ideia de que as taxas de abandono estão a diminuir, mas isso não corresponde totalmente à verdade. O que temos visto na generalidade dos países são altas taxas de abandono nas comunidades mais pobres, especialmente comunidades constituídas por pessoas de cor. Quando as crianças não recebem educação adequada, as suas oportunidades reduzem-se e é isso que acontece quando se privatiza a educação.
Como imagina o futuro da educação pública?
Precisamos de recursos suficientes e de uma boa preparação dos professores para que possam responder às necessidades dos seus alunos. Nos EUA, muitos dos alunos que estão na educação pública pertencem a comunidades muito diversas em termos culturais e, com frequência, os professores não estão preparados para lidar com isso. Há questões de racismo, de classe, de privilégios, de que não se fala. Precisamos de criar políticas e práticas que possam garantir às nossas crianças que a educação está a prepará-las para um mundo muito diverso e complexo. O que vemos com frequência é que os estudantes estão muito infelizes nas escolas, acreditam que a educação que estão a receber é irrelevante, não encontram um lugar com que se identifiquem.
“Da mesma forma que acredito que ninguém devia estar a lucrar com a doença, também não devem estar a lucrar com a educação das nossas crianças. Temos uma tensão aqui que é ideológica e com a qual temos que lutar. Nem tudo pode ser construído nos termos da agenda neoliberal”
Por que acontece isso?
Não perguntamos se as crianças estão felizes na escola, se estão entusiasmadas a aprender. A sua criatividade está a ser estimulada, estão a sentir que a escola é um lugar onde podem sentir felicidade e amor? Esta componente é completamente deixada fora da discussão, especialmente hoje em que tudo parece resumir-se aos resultados dos exames. Hoje parece que a escola só serve para testar.
Isso parece-lhe negativo?
Em muitas sociedades, o resultado disto são altas taxas de abandono. Em vez de o abandono estar a ser visto como um problema que se prende com a forma como os professores estão a ser preparados, com os currículos e com a estrutura da educação, colocamos as responsabilidades nas crianças, nas famílias, nas suas culturas e nas suas comunidades.
O seu trabalho principal tem a ver com educação bi-cultural. Em que consiste a sua proposta?
É necessário perceber as tensões que existem com as crianças que vêm de uma cultura que não é a cultura dominante. Para muitos como eu, que nasci em Porto Rico e emigrei ainda criança para os EUA, a minha cultura e a minha língua foram sempre reprimidas durante a minha formação. O que tentei perceber foi o impacto dessa repressão cultural e linguística nas nossas crianças e em que medida é que se tornou aceite que as crianças devem simplesmente adoptar a cultura e a língua dominantes e excluir qualquer formação nas suas línguas e cultura primárias.
“Não perguntamos se as crianças estão felizes na escola, se estão entusiasmadas a aprender. […] Esta componente é completamente deixada fora da discussão, especialmente hoje em que tudo parece resumir-se aos resultados dos exames. Hoje parece que a escola só serve para testar”
Que impactos são esses?
Os imigrantes vêm de diferentes contextos culturais e chegam com conhecimento. Pode ser um conhecimento diferente e que pode não ser entendido pelos professores e pelo sistema educativo, mas eu acredito que é benéfico valorizar a sabedoria e o conhecimento que estas pessoas trazem às nossas escolas e à sociedade. Só que o que fazemos é cortar essas aprendizagens, porque simplesmente decidimos que esse conhecimento, essa cultura ou essa língua não têm importância.
Os resultados deste trabalho podem ser úteis, por exemplo, a um país como Portugal, onde a diversidade étnica e cultural é menor do que nos EUA?
O último relatório da Comissão Europeia sobre racismo e intolerância nota que em Portugal há altas taxas de abandono entre as minorias e sugere que deve haver maior monitorização da educação das crianças imigrantes no que toca à discriminação. O documento recomenda também a Portugal uma maior diversidade dos professores e mais preparação para o bilinguismo. Há certos princípios e certas formas de entender as condições sob as quais estas comunidades foram colonizadas que são comuns aos vários países.
Nuno Crato é testemunha dos colégios privados contra o ministério
Ex-ministro da Educação vai depor a favor dos colégios contra os cortes nos contratos de associação na batalha judicial que se avizinha. Aos tribunais podem chegar “dezenas de acções” nos próximos dias.
PÚBLICO | 08.07.2016
O ex-ministro da Educação do governo de Passos Coelho, Nuno Crato, confirmou ao Diário de Notícias (DN) que vai depor a favor dos colégios privados nas acções em tribunal contra a decisão do actual ministério em cortar no financiamento do Estado a estas escolas.
Este anúncio confirma as declarações do representante das escolas privadas reunidas no Movimento em Defesa da Escola Ponto, Manuel Bento, ao mesmo jornal, de que o ex-governante iria defender a causa judicialmente, ainda que possa não estar presente em tribunal.
Nuno Crato disse ao DN que a Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo o tinha avisado de que o “ia arrolar como testemunha”. “É um direito deles e eu colaborarei com a justiça e responderei a todas as perguntas do juiz”, disse ao DN.
O representante do Movimento em Defesa da Escola Ponto afirmou ainda que, “nas próximas duas semanas”, vão dar entradas nos tribunais “duas dezenas de acções por incumprimento contratual”.
Os colégios privados contestam a redução dos contratos de associação, nomeadamente dos assinados em 2015 e que seriam válidos por três anos. A decisão do ministério de Tiago Brandão Rodrigues dita que apenas serão financiadas as turmas de continuidade, impedindo a abertura, com financiamento do Estado, de cerca de 300 novas turmas de início de ciclo (5.º, 7.º e 10.º ano) em zonas onde existe oferta pública de ensino.
Manuel Bento revelou ainda ao DN que o antigo secretário de Estado do Ensino e da Administração Escolar, João Casanova de Almeida, que integrou a mesma equipa de Nuno Crato, vai também ser chamado a depor. Não é ainda claro se os dois ex-governantes serão ouvidos em tribunal ou deporão por escrito.
Em 2015, o Ministério da Educação e Ciência do governo de Passos Coelho cortou em cerca de 13% as turmas dos colégios financiadas ao abrigo dos contratos de associação. O valor total da dotação para estes contratos ascendia na altura a quase 140 milhões de euros.
Ministério da Educação não fiscaliza verbas dadas a privados
Inspecção-Geral de Finanças critica ministério por não averiguar quais as condições das famílias que apoia por via dos chamados contratos simples
LUSA | 07.07.2016
O Ministério da Educação atribuiu 451 milhões de euros, entre 2013 e 2014, a estabelecimentos de ensino particular e cooperativo, sem conhecer a eficácia de utilização destes dinheiros públicos, alertou a Inspecção-Geral de Finanças (IGF).A informação consta no Relatório de Actividades de 2015 da IGF, que critica o Estado por financiar colégios, sem confirmar a situação socioeconómica das famílias dos alunos, e por desconhecer o efeito da aplicação das verbas. Em causa estão os chamados contratos simples através dos quais o Estado financia parte da frequência dos colégios a alunos oriundos de famílias com um rendimento per capita mensal não superior a 541 euros. ”Em regra, não são efectuadas diligências para confirmar a real situação socioeconómica do agregado familiar de alunos candidatos a apoios”, refere o relatório da IGF. Segundo a IGF, “o ministério não dispõe de um plano estratégico enquadrador quanto às subvenções públicas aos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo”, assim como “não dispõe de indicadores de aferição do impacto na sociedade, o que não permite avaliar cabalmente a eficiência e eficácia da utilização destes dinheiros públicos”. O relatório, divulgado no início do mês, teve por base inspecções sectoriais a nove áreas ministeriais, num universo de despesa de 738 milhões de euros e um valor de despesa controlada de 156 milhões de euros.
Tribunal de Braga decide a favor de colégio na luta contra o ministério
Ministério da Educação já confirmou a decisão. Próxima guerra jurídica pode envolver cerca de 50 acções contra os cortes no financiamento aos colégios.
PÚBLICO | 07.07.2016
Os alunos do Colégio de Campos, em Vila Nova de Cerveira, vão continuar a frequentar este estabelecimento independentemente do local onde residam. Esta é a consequência da decisão conhecida nesta quinta-feira do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que aceitou a providência cautelar interposta por aquele colégio com contrato de associação contra o despacho de matrículas, assinado pela secretária de Estado Alexandra Leitão, que restringe a frequência destes estabelecimentos aos alunos que residam na sua área geográfica.
Em resposta ao PÚBLICO, o Ministério da Educação (ME) confirmou esta decisão. “Em mais de 20 providências, apenas uma foi decretada provisoriamente. Para mais, este decretamento só tem impacto para este processo, referindo-se tão-somente à aplicação do despacho normativo de matrículas e não à abertura de turmas de início de ciclo”, especificou a assessoria de imprensa do ME.
Por se tratar de um decretamento provisório, a decisão do tribunal não é passível de impugnação, como acontece quando se decide pela suspensão de eficácia do acto que deu origem à providência cautelar. Nesta última situação, o Código de Processo dos Tribunais Administrativos estabelece que a autoridade administrativa posta em causa pode apresentar uma reposta fundamentada onde explicite que a decisão de suspensão é “gravemente prejudicial para o interesse público”, o que geralmente é feito.
Na sua sentença, datada desta terça-feira, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga justifica a opção pelo decretamento provisório por considerar que se está perante uma situação de “irreparabilidade absoluta”. E qual é esta? A impossibilidade de muitos dos alunos do Colégio de Campos se poderem inscrever caso o despacho de Alexandra Leitão se mantenha válido, uma vez que residem fora da área geográfica do colégio.
Estes alunos, lembra o tribunal, são abrangidos pelo contrato de associação celebrado pelo colégio, beneficiando assim de ensino gratuito naquele estabelecimento. Ao impor-se o critério geográfico para a sua inscrição, existirão “naturalmente repercussões ao nível das matrículas, sendo previsível que pelo menos parte dos alunos que deixam de estar abrangidos pelo contrato de associação […] se vejam na necessidade de optar por se matricularem na rede de ensino público. E é exactamente esta a situação que a requerente pretende evitar com a presente providência cautelar”, escreve-se na sentença, onde se lembra ainda que o processo de matrículas terá de estar concluído até ao final de Julho.
Encerramento provável
Na providência cautelar que interpôs, o Colégio de Campos alega que a decisão da secretária de Estado Alexandra Leitão, de impedir alunos de outras freguesias de se inscreverem naquele estabelecimento, “determinaria uma redução previsível no número de alunos de 309 para 123”. Este limiar, acrescenta-se, é “insuficiente para a constituição de turmas” previstas no contrato de associação, o que implicaria o corte do financiamento do Estado. Deste modo, refere-se ainda na providência, o colégio “deixará de ter condições financeiras para suportar os encargos com docentes, material escolar, luz, água, electricidade, refeições e outros, porque as únicas fontes de receitas são as quantias pagas no âmbito dos contratos de associação celebrados com o Estado, e levará ao seu encerramento”.
O Colégio de Campos é também um dos 39 estabelecimentos financiados pelo Estado que, no próximo ano lectivo, não terão verbas para abrir novas turmas de início de ciclo, por se encontrar numa zona onde existe oferta pública.
No contrato celebrado em 2015 tinham-lhe sido atribuídas cinco turmas de início de ciclo (5.º, 7.º e 10.º ano). Por cada turma abrangida pelo contrato de associação, os colégios recebem do Estado 80,5 mil euros por ano. A decisão de cortar o financiamento a novas turmas de início de ciclo também foi da secretária de Estado Alexandra Leitão e abrange metade dos 79 estabelecimentos com contratos de associação.
Com esta medida, 57% das turmas que obtiveram financiamento em 2015 vão perdê-lo agora. Depois do despacho das matrículas, esta é a nova guerra jurídica prometida pelos colégios com contratos de associação.Segundo Rodrigo Queirós e Melo, director executivo da Associação de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo, cerca de 50 estabelecimentos deverão avançar com accções “contra os cortes de financiamento e o não reconhecimento [pelo Ministério da Educação] de que os contratos são por três anos em início de ciclo”.
As primeiras destas acções deverão ser interpostas na próxima semana. Queirós e Melo lembra, a propósito, que só agora foi possível avançar porque o ME já concretizou a sua decisão, ao não colocar a concurso para financiamento mais de 300 turmas de início de ciclo.
Redução de turmas pode ser evitada com menos alunos por sala, defendem directores
Queda demográfica está a afectar as escolas, pondo em causa o lugar de muitos professores.
PÚBLICO | 07.07.2016
A redução do número de alunos por turma não só permitirá potenciar o sucesso educativo, como impedir que cada vez mais professores tenham de sair das escolas, frisam os presidentes das duas associações de directores a propósito da eventual diminuição de turmas no próximo ano lectivo.
“Ficamos tristes porque se há menos turmas, também há menos professores nas escolas. Mas se há menos alunos não se pode estar a inventar turmas, mas o Ministério da Educação podia mudar esta situação reduzindo o número de alunos por turma, como já anunciou que faria, mas só a partir de 2017/2018”, afirma Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Pública (ANDAEP).
Actualmente, as turmas do 2.º ciclo ao secundário têm de ter um mínimo de 26 alunos e podem chegar aos 30. No 1.º ciclo, as turmas podem ter um máximo de 26 estudantes.
O Governo já se comprometeu a reduzir “paulatinamente” o número de alunos por turma a partir do ano lectivo 2017/2018, começando pelos anos de escolaridade mais precoces, mas ainda não estão definidos quais os limites. Os projectos apresentados pelos grupos parlamentares do PS, BE, PCP e Verdes também ainda não foram votados pelo Parlamento.
“É muito complicado ter alunos para constituir turmas do 1.º ciclo nos moldes exigidos”, corrobora Manuel Pereira, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Este director lamenta que o Ministério da Educação continue a não dar autonomia às escolas para que sejam elas a decidir quais os critérios de constituição de turmas, já que “a lei é cega e não tem atenção às realidades distintas” de cada uma delas.
Também Filinto Lima defende que o ministério deve “acreditar nos directores” e mudar “o paradigma de constituição de turmas”. Por exemplo, especifica, em vez de o número mínimo e máximo de alunos ser decidido centralmente, podia-se antes atribuir uma quota de turmas por ano de escolaridade a cada escola, ficando os moldes da sua constituição ao critério das escolas.
Queda demográfica
Deste modo, as escolas poderiam também responder à progressiva desertificação que as ameaça devido à quebra da natalidade e ao aumento da emigração, ressalva Filinto Lima, sublinhando que este é um problema que está a suscitar cada vez mais preocupação, sobretudo nas zonas do interior.
Nesta terça-feira, a secretária de Estado Adjunta e da Educação, Alexandra Leitão, admitiu no Parlamento que existe uma projecção, que decorre da redução demográfica, que aponta para uma diminuição de mil turmas no próximo ano lectivo. A governante já tinha dado conta desta projecção numa entrevista ao Diário de Notícias, em Maio passado, na qual revelou também que, “entre 2010 e 2016, a redução demográfica foi de 160 mil alunos”. “Desapareceram 12 mil turmas do ensino público e 30 mil professores”, acrescentou.
Em comunicado divulgado nesta quarta-feira, também a Federação Nacional de Professores sublinha que, “de acordo com informações que chegam das escolas, há risco de redução de turmas no próximo ano lectivo”. Para a Fenprof, se tal acontecer “não resultará do que o actual Governo fez, mas do que ainda não fez”, nomeadamente no que respeita à diminuição do número de alunos por turma. Também ainda não foi garantido o fim das turmas do 1.º ciclo com diversos anos de escolaridade e não se iniciou a desagregação dos mega-agrupamentos”, adianta.
O processo de validação das turmas ficará concluído no final do mês. No Parlamento, a secretária de Estado deu conta também de uma alteração das normas que, afirmou, irá produzir “um efeito de racionalização”. Em vez de indicarem apenas o número de turmas e de alunos, os directores terão de enviar uma lista nominal dos estudantes de cada uma delas, o que impedirá a existência “de alunos com dupla matrícula ou turmas fantasma”, como já foi detectado em colégios financiados pelo Estado, revelou.
“Está a dar mais trabalho às escolas, mas no ensino público não temos receio que este processo decorra com uma clareza total”, comentou Filinto Lima.
Ministério admite redução de mil turmas no ano lectivo 2016/2017
Foi a quarta audição de Tiago Brandão Rodrigues na comissão parlamentar da Educação.
PÚBLICO | 05.07.2016
No próximo ano lectivo poderão existir menos mil turmas validadas nas escolas do ensino básico e secundário, admitiu nesta terça-feira a secretária de Estado Adjunta Alexandra Leitão, em declarações no Parlamento, durante uma audição do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues.
Em resposta a um deputado do PSD, Alexandra Leitão negou que esta redução resulte de uma “imposição” do ministério, sendo “apenas uma projecção que decorre da redução demográfica”. As últimas estatísticas da Educação, relativas a 2014/2015, dão conta de uma diminuição do número de alunos em todos os níveis de ensino, do básico ao secundário.
Num só ano lectivo, entre 2013/2014 e 2014/2015, houve uma quebra de 26 mil alunos. No mesmo período desapareceram das escolas cerca de 33 mil professores, dos quais 24 mil trabalhavam no ensino público.
A secretária de Estado adiantou ainda que a redução das turmas resultará também de um esforço de “racionalização” que está a ser feito com uma mudança de registo das turmas. Em vez de inscrever na plataforma quantos alunos têm por turma, as escolas serão obrigadas a enviar a lista nominal dos alunos que a compõem, revelou. Deste modo, acrescentou, “não haverá alunos com dupla matrícula ou turmas fantasmas”.
Já quase no final das mais de duas horas de audição, Alexandra Leitão esclareceu que o “processo de carregamento e validação de turmas só encerra no final de Julho” e que só então se saberá ao certo quantas turmas daí resultarão.
Mais horas às escolas para tutores
Na abertura da audição na comissão parlamentar da Educação, o ministro Tiago Brandão Rodrigues, revelou que as escolas terão a partir do próximo ano lectivo “créditos horários específicos” para garantirem o novo programa de tutorias que irá substituir os cursos vocacionais no ensino básico.
Os créditos em horas permitem que as escolas reforcem os seus recursos humanos. Durante o mandato de Nuno Crato passaram a ser atribuídos também em função dos resultados dos alunos. Com o actual ministro serão distribuídos em função do número de turmas das escolas e também, como agora revelou Tiago Brandão Rodrigues, da existência de tutorias, através das quais se pretende garantir quatro horas de apoio suplementar aos alunos com um historial de retenções.
Durante estas horas, cada tutor apoiará no estudo grupos de dez alunos. Quando anunciou esta medida, em Maio passado, o ministro mostrou-se convicto de que existem professores nos agrupamentos com horários sem serem completos que poderão ser deslocados para este serviço, poupando assim os 15 milhões de euros que custaria se fosse necessário recrutar docentes contratados para este efeito.
Diminuição dos chumbos
A audição desta terça-feira na Comissão Parlamentar da Educação foi ainda dominada pelos dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência relativos a 2014/2015, o último ano de mandato de Nuno Crato, dando conta de que os chumbos caíram pelo segundo ano consecutivo em todos os níveis do ensino básico e secundário. “Atingimos a taxa de retenção mais baixa de sempre no 12.º ano [30,3%]”, destacou o deputado do PSD, Amadeu Albergaria, para questionar depois o ministro da Educação sobre as razões que levaram o ministério a não anunciar estes resultados ao país.
“As estatísticas são da responsabilidade da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, que as divulgou no momento e na forma que entendeu como é devido, sem uma intervenção directa da tutela, como também é devido”, respondeu Tiago Brandão Rodrigues, manifestando o seu “regozijo” pelos resultados agora divulgados, embora frisando que os valores da retenção continuam ainda “muito elevados” em Portugal.
Esta é uma das razões que está na base do programa de promoção do sucesso escolar que o Ministério da Educação pretende desenvolver no próximo ano lectivo, com base nos planos de acção que estão agora a ser elaborados pelas escolas, sublinhou.
Por seu lado, o secretário de Estado da Educação, João Costa, manifestou preocupação pelo facto de, aos sete anos, cerca de 10% dos alunos serem deixados para trás, adiantando que foi esta situação que levou o ministério a introduzir uma prova de aferição no 2.º ano de escolaridade, que permitirá um “diagnóstico” das aprendizagens dos alunos, o que poderá já ser feito este ano, disse. As provas não foram obrigatórias, mas quase 60% das escolas decidiram fazê-las.
Ensino artístico em resolução
Em resposta à deputada do PCP, Ana Virgínia, Tiago Brandão Rodrigues garantiu que o Ministério da Educação já devolveu ao Tribunal de Contas (TdC) “quase todos os processos” relativos ao concurso extraordinário de apoio ao ensino artístico especializado, realizado em 2015, num valor de cerca de quatro milhões de euros. Segundo Alexandra Leitão, os processos seguiram nesta segunda-feira.
No mês passado, a tutela justificou o atraso nestes pagamentos, afirmando que os processos se encontravam no TdC à espera de visto, mas em resposta ao PÚBLICO a assessoria de imprensa do tribunal garantiu que estes estavam na posse do ministério desde Março passado, por se encontrarem mal instruídos.
A verba suplementar destina-se sobretudo aos conservatórios privados de Lisboa, Porto e Algarve, que foram os que sofrerem mais cortes no financiamento, situação que está de novo a pôr em causa os pagamentos dos salários aos professores.
Já a secretária de Estado Alexandra Leitão, em resposta ao PSD, negou que exista um conflito com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) a propósito da requalificação do parque escolar. Recentemente, o presidente da ANMP, o socialista Manuel Machado, acusou o ministério de “chantagem” por estar, segundo ele, a fazer depender a intervenção nas escolas de comparticipação financeira por parte das câmaras.
A recuperação do parque escolar tem uma dotação de 143 milhões de euros de fundos comunitários, sendo que a contrapartida nacional é de 15%. Alexandra Leitão admitiu que seria “muito pesado” para o ministério assumir sozinho esta contrapartida, adiantando que já chegaram a acordo com 86 municípios com vista à divisão de encargos.
Milhares defendem escola pública em Lisboa
Concentração marcada pela Fenprof juntou muitas pessoas
Jornal i | 18.06.2016
Milhares de pessoas concentraram-se este sábado na praça Marquês de Pombal, em Lisboa, em defesa da escola pública.
“Escola pública é de todos. A privada é só para alguns”, “Educação pública de todos e para todos” e “Estado laico não paga dízimas” foram algumas das frases dos cartazes empunhados pelos manifestantes, que depois desfilaram pela avenida da Liberdade até ao Rossio.
Nesta concentração, marcada pelo colorido das bandeiras dos sindicatos de professores e da CGTP, viram-se cartazes de associações de pais, como a do Bombarral, de escolas secundárias, como o liceu Camões, e de pessoas que não integram a comunidade educativa. Foi o caso de Manuel Coelho,de 61 anos.“Estou aqui por uma melhor escola pública e quem quiser privado tem que pagar, não compete ao Estado”, disse à agência Lusa.
Algumas das personalidades que subscreveram a petição em defesa da escola pública, que foi entregue na Assembleia da República, subiram ao palco montado no local e fizeram intervenções sobre os motivos que os trouxeram à rua.
Na intervenção inicial, o secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira, salientou que esta iniciativa não foi “uma marcha contra ninguém, nem contra os colégios privado”. “É uma iniciativa pela defesa da escola pública, que tem sido maltratada”, afirmou.
A petição em defesa da escola pública que a Fenprof entregou na Assembleia da República já reuniu mais de 71 mil assinaturas.
Há colégios a menos de cinco minutos a pé de escolas públicas
Há colégios com contratos de associação na vizinhança de uma centena de escolas públicas com baixa ocupação
Diário de Notícias | 21.05.2016
Uma centena de escolas públicas com níveis de ocupação baixos ou muito baixos (índices de lotação de 1 e 2 , ver infografia)estão localizadas na área de influência de colégios com contrato de associação. Existem ainda escolas públicas – em Alcobaça, Leiria e Cabeceira de Basto – que ficam a menos de cinco minutos a pé, entre os 300 e os 400 metros de distância, destes estabelecimentos.
Os dados constam do estudo “Análise da Rede de Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo”, da Direção Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), ao qual o DN teve acesso. Um documento que serviu de base à identificação de redundâncias na oferta destes contratos e que levou o Ministério da Educação a anunciar o corte, no próximo ano letivo, de 377 turmas de 5.º, 7.º e 10.º anos de escolaridade – face às 650 aprovadas pelo anterior governo – no próximo ano.
Veja aqui o gráfico: como chegou o ministério aos rácios por aluno
No documento, a DGEEC reconhecia a necessidade de uma “análise mais fina” dos elementos “, antes de se avançar para a definição do corte de turmas. E terá sido isso que o Ministério fez quando anunciou que estava a analisar não apenas a capacidade instalada e distância entre a escola pública e o colégio – avaliadas neste estudo – mas também aspetos como o estado de conservação do equipamento público e a existências de transportes.
Ainda assim, o relatório da DGEEC é bastante claro a sinalizar as chamadas “redundâncias” da rede que – tal como vinha sendo anunciado – acontecem sobretudo no Norte e Centro do País, onde está localizada a grande maioria destes estabelecimentos de ensino.
O fenómeno de Coimbra
Na listagem há várias zonas, – como Gondomar, Santa Maria de Lamas e Oliveira do Bairro – em que a sobreposição entre a oferta pública e a dos contratos de associação é evidenciada. Mas nenhuma se aproxima – sequer remotamente – da realidade da área metropolitana de Coimbra, onde há mais de uma dezena de escolas públicas com baixas lotações e uma grande distribuição de colégios com contrato de associação numa área relativamente pequena.
O facto em si não é novidade, mas a dimensão do fenómeno nunca tinha sido descrita com tanto pormenor. Nem num célebre estudo realizado em 2011 pela Universidade de Coimbra, a pedido do Ministério da Educação.
Sete escolas privadas – Colégio de S. José, Instituto Educativo do Lordemão, Colégio de S. Martinho, Colégio Rainha Santa Isabel , Colégio da Imaculada Conceição, Colégio de S. Teotónio e Colégio Bissaya Barreto- competem pelos alunos com as escolas públicas da cidade. Nos concursos realizados em 2015, este conjunto de colégios recebeu mais de 20 turmas com contrato de associação de 5.º, 7.º e 10.º ano de escolaridade, totalizando mais de 500 alunos.
Em Coimbra chegam a haver casos de escolas públicas que acabam por ficar na área de influência de quase todos estes colégios em simultâneo. É o que sucede, entre vários outros exemplos, com a Escola Básica Poeta Manuel da Silva Gaio, que este ano só conseguiu abrir duas turmas de 2.º ciclo e 5 de 3.º ciclo, encontrando-se com um nível 1 de lotação.
O estudo da DGEEC confirma ainda a dependência que os colégios com contrato de associação têm do apoio estatal: No Norte, 613 das 558 turmas destes colégios são contratualizadas; na zona Centro, em 727 turmas, 654 têm estes vínculos; Lisboa e Vale do Tejo regista 498 em 543; o Alentejo, onde só há dois colégios apoiados; no Algarve não há contratos.
Tire as dúvidas. 11 respostas sobre os contratos de associação
Fique a saber o essencial sobre os contratos de associação entre o Estado e as escolas particulares
Diário de Notícias | 16.05.16
Perguntas e respostas sobre os contratos de associação celebrados entre o Estado e as escolas de ensino particular e cooperativo.
O que são e quando surgiram os contratos de associação?
Os contratos de associação com as escolas particulares e cooperativas começaram no início da década de 1980, numa altura em que havia zonas do país com falta de estabelecimentos de ensino. Objetivo: Garantir que todos os alunos tinham acesso gratuito à educação.
Quais são as condições para as escolas serem financiadas?
A ideia original era financiar apenas as escolas que supriam carências locais. O Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo foi sendo, por várias vezes, alterado. A última alteração aconteceu em 2013, no mandato do ex-ministro da Educação, Nuno Crato. Entretanto, passou a ser permitido fazer acordos mesmo quando existe oferta pública disponível e próxima e, no final do seu mandato, o seu ministério celebrou contratos por um período de três anos.
O que mudou com o atual Governo?
-O Governo publicou, em abril, um despacho normativo que estabelece que aquelas escolas só podem receber alunos que residam “na área geográfica de implantação da oferta abrangida pelo respetivo contrato”. Entretanto, a secretária de Estado da Educação, Alexandra Leitão, disse que não iria abrir novas turmas com contrato de associação em zonas onde existisse oferta da rede pública, garantindo no entanto a continuidade dos estudos aos alunos que estejam a meio dos ciclos.
O que vai acontecer a estes alunos?
Os alunos serão transferidos para as escolas públicas apenas no final do ciclo que estão atualmente a frequentar e apenas nos casos em que exista oferta pública. O Governo garante que está a analisar a capacidade de as escolas acolherem estes alunos tendo em conta a proximidade, a qualidade da escola e a existência de uma rede de transportes.
E os professores também vão ser integrados nas escolas públicas?
Os docentes do ensino particular e cooperativo podem candidatar-se às escolas públicas concorrendo aos concursos de professores, tal como fazem os restantes docentes.
Quanto custam estes contratos ao Estado?
Este ano vão custar cerca de 139 milhões de euros (139.345.500 euros). O Estado atribui 80.500 euros por cada turma. Nos últimos anos, o valor tem vindo a diminuir assim como o número de turmas apoiadas.
Quantas turmas foram financiadas este ano?
No total são 1.731 turmas. A maioria (1.075) são turmas de continuidade, ou seja, contratos que já existiam e que vão manter até terminar o ciclo de ensino dos alunos, e as restantes 656 turmas são de início de ciclo, ou seja de 5º, 7º e 10º anos.
Quantos alunos estudam nestas escolas?
São cerca de 45 mil alunos.
Fica mais barato a escola pública ou os contratos de associação?
Há diferentes opiniões. Os estudos divulgados sobre os custos do ensino público pela anterior equipa do Ministério da Educação revelavam uma poupança com os contratos de associação. Já o atual executivo fala num novo estudo, ainda não publicado, que mostra que custa muito menos transferir esses alunos para o ensino público.
No ano letivo de 2012/2013, cada turma do ensino público custava, em média, cerca de 86 mil euros, segundo um estudo do jurista Pedro Roseta feito a pedido do então ministro Nuno Crato.
No mesmo ano, o Tribunal de Contas (TdC) dizia que o custo médio por aluno que frequenta a escola pública era de 4.522 euros.
Este ano, o Instituto de Gestão Financeira de Educação fez as contas e concluiu que transferir uma turma do ensino privado para uma escola pública custaria cerca de 54 mil euros anuais, segundo informações avançadas pelo ministério de Tiago Brandão Rodrigues. Este valor é o custo médio da contratação de dois docentes e parte do pressuposto de que a escola tem capacidade para receber a turma. Este ano, o Estado está a pagar às escolas com contrato de associação 80.500 euros por cada turma.
Onde há mais contratos de associação?
A zona centro é a região do país com mais escolas com contratos de associação, seguindo-se o Norte e, finalmente, Lisboa e Vale do Tejo. No Algarve não existe nenhum contrato de associação e no Alentejo apenas dois, em zonas que o Ministério da Educação já anunciou serem necessários por falta de oferta pública.
O que dizem os representantes do Ensino Particular e Cooperativo?
A Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP) defende que existe um contrato celebrado no ano passado por um período de três anos que deve ser mantido. A AEEP sublinha ainda que estas escolas são necessárias e garantem o direito à liberdade de escolha.
Pais de Lisboa não querem privados onde há escolas públicas
As associações de pais de Lisboa defendem o fim dos contratos de associação com colégios em zonas com escola pública e a transferência desses alunos no final do ano
Diário de Notícias | 07.05.2016
Em comunicado, a Federação Regional de Lisboa das Associações de Pais (FERLAP) veio tomar pela primeira vez posição pública sobre os contratos de associação e um despacho publicado em abril que “clarifica” que o Estado só financia nos colégios privados os alunos para os quais não existe oferta na rede pública.
A FERLAP justifica o seu silêncio até ao momento, por sempre ter considerado ser “mais do que natural acontecer algo que já deveria ter acontecido há muito”, ou seja, restringir o financiamento nos colégios privados apenas a quem realmente não tem alternativa.
No entanto, “foram tomadas algumas posições contra esta medida, vindas em alguns casos de onde menos se esperava, que passaram a ser notícia nacional”, justificando-se uma tomada de posição, explica em comunicado a federação.
As vozes contra esta medida têm vindo dos próprios colégios privados e das associações que os representam, das famílias dos alunos que os frequentam, dos partidos de direita PSD e CDS-PP e da própria Confap (Confederação Nacional das Associações de Pais).
A FERLAP, que é associada da Confap, demarca-se assim daquela posição, lembrando que os contratos de associação foram criados para suprir a falta de salas ou de escolas públicas, destinando-se, pois, “apenas a suprir” essas necessidades, não sendo aceitáveis nos locais onde exista resposta.
A FERLAP sublinha que os contratos de associação não servem para acolher alunos que provenham de locais onde esta existe, “nem servem para satisfazer os caprichos das famílias que não gostam que os seus filhos frequentem a escola pública”.
Na opinião da federação, esses contratos não podem sequer ser justificação para que não sejam construídas escolas públicas necessárias a satisfazer as necessidades das populações onde não existam.
“Os contratos de associação não são um direito adquirido, são um recurso apenas temporário e devem ser entendidos como tal, não podem nunca promover o benefício das escolas privadas em detrimento da escola pública e em prejuízo do Estado, que somos todos nós”, sublinha a FERLAP, considerando que o despacho normativo “apenas peca por tardio”.
Quanto a prazos, as associações de pais de Lisboaentendem que existindo paralelismo pedagógico e curricular entre os colégios com contrato de associação e as escolas públicas, como deve acontecer, “nada impede que no final do ano letivo os alunos que tenham vaga nas escolas públicas, sejam transferidos para estas”.
As exceções aplicam-se apenas às situações em que existam contratos que se prolongam além do final do ano letivo, salvaguardam.
A FERLAP diz compreender o mal-estar que esta medida possa provocar nas famílias habituadas a que os filhos frequentem colégios privados, mas lembra-as de que “essa frequência não é um direito, foi apenas um recurso que o Estado foi obrigado a utilizar para que os seus filhos pudessem frequentar a escola sem que as famílias tivessem que pagar por essa frequência, ficando assim em pé de ‘igualdade’ com as famílias onde existia oferta pública”.
Havendo escolas públicas, estes alunos terão que nelas ingressar “como faz a generalidade dos alunos portugueses”, ou então pagar pelo ensino privado.
Sobre o argumento da “liberdade de escolha” da escola ou do projeto educativo usado por alguns defensores da frequência dos colégios com contratos de associação, a FERLAP diz que “obviamente” as famílias têm o direito a escolher as escolas que os filhos vão frequentar, o Estado é que “não tem que suportar a opção” por uma escola privada, havendo oferta pública.
“Se as famílias entenderem que os seus filhos devem continuar, ou começar, a frequentar o ensino privado, vão ter que entender que, tal como todos os outros que optaram e optam pelo ensino privado, terão que suportar os encargos com essa frequência”, salienta.
A federação entende que assim como nenhum aluno deve ficar sem escola, também nenhum aluno deve ser beneficiado em relação aos outros, e sublinha que promover a desigualdade é inconstitucional.
A FERLAP defende ainda que o dinheiro poupado com o fim dos contratos de associação desnecessários seja investido na beneficiação da escola pública.
Viver e aprender sem ir à escola
No último ano, triplicou o número de famílias que decidiu assumir a responsabilidade total pela educação dos filhos, passando de 199 para 564. Até aqui, a avaliação destas crianças resultava apenas do exame nacional mas, com a abolição da prova no 4º e no 6º, ninguém parece saber ao certo o que irá acontecer…
Expresso | 13.03.2016
Simone tem sete anos e, ao contrário de grande parte das crianças com a mesma idade, não vai à escola. São as aulas que vão até ela. Ou melhor, não vão. Aprende livremente, por iniciativa própria. Os seus dias passam entre brincadeiras com o irmão Henrique, de 3 anos. Gosta de escrever e tocar piano. Às vezes, quando a vontade espreita, ajuda a mãe, Lara, nas tarefas domésticas, corta os legumes para salada ou cozinha a bolonhesa para o almoço. Legal e oficialmente, a família segue o ensino doméstico. Na prática, são unschoolers. A desescolarização (uma tradução literal de unschooling) “é o respeito total pela aprendizagem autónoma”.
Os Ferreira moram na zona de Coimbra. Mudaram-se há pouco mais de um ano e fugiram da cidade para o campo. A chegada da família à casa nova coincidiu com a entrada de Simone para o primeiro ano e com a reestruturação da rede escolar, em que as escolas com menos de 21 alunos foram encerradas. Lara não queria que Simone “fosse para uma escola grande, de cento e tal alunos”. Além disso, não estava muito contente “com o que era ensinado” nem com o grande distanciamento entre o que se aprende na escola e o que é realmente a vida.
“Não vejo na escola conhecimento a ser realmente útil. Desconfio que chegamos ao 5º ou 6º ano e não precisamos de mais nada da matemática. Obviamente, há profissões que exigem mais matemática, mas aí isso chegaria na faculdade. Por exemplo, sabemos que a Constituição foi feita no ano tal mas alguém sabe o que está lá escrito? O que fica para utilizarmos no dia a dia? A maior parte das coisas que hoje uso e o meus valores aprendi-os por auto pesquisa ”, justifica a mãe das duas crianças.
Uma coisa levou à outra, e Lara pediu uma licença para assistência ao filho e ficou em casa a educar Simone e Henrique. É, explica, uma forma de “escapar a uma sociedade que está toda mal”, em que considera que “não há tempo”, “há filas para tudo”, “há muita expectativa em relação às crianças” e “não se vive o presente”.
UMA REAÇÃO A UM SISTEMA QUE JÁ “DEVIA TER FECHADO PARA OBRAS”
Tal como uma criança em ensino dito normal, Simone está matriculada na escola. Na altura de preencher os papeis foi quase tudo igual, exceto duas coisas: a mãe colocou uma cruzinha na opção “Indiv./Dom.” [ensino individual/ ensino doméstico] e entregou o seu certificado de habilitações.
Qualquer progenitor pode tornar-se o “responsável pelo percurso educativo em ensino doméstico”. Basta apenas que o adulto tenha um grau superior ao que leciona. Por exemplo, para a criança fazer o ensino primário em casa, o responsável tem de ter pelo menos o quinto ano. Já no caso do secundário, o adulto terá de ter formação superior. É possível fazer os 12 anos da escolaridade obrigatória em casa.
Por norma, o ensino doméstico pressupõe que as aulas sejam dadas em casa. Mas no caso de Simone, Henrique e Lara, estas não existem de todo. Seguem a vertente do unschooling. “É viver a vida sem que a escola seja a única coisa que importa na vida deles. Estão o dia todo em atividades lideradas por eles ou então participam em outras comigo. Não faço nem replico a escola em casa”, explica Lara.
As crianças aprendem de uma forma natural, em que o “foco é dado à cooperação, e não à coerção”. A aprendizagem acontece envolvida na vida real, resulta de experiências reais e da motivação de cada criança.
Os especialistas parecem estar de acordo: ir à escola é (quase) sempre o melhor. Embora admitam que para algumas crianças, as pedagogias alternativas possam ser uma “escolha mais viável”. Mário Cordeiro, membro da Sociedade Portuguesa de Pediatria e da British Association for Community Child Health, considera que alguns pais possam “desconfiar da escola” ou acreditam que “uma filosofia de ‘regresso aos básicos’ é mais eficaz”. “São opções e, porventura, os resultados até podem ser bons”, defendeu.
O psicólogo Eduardo Sá é mais definitivo nas palavras: “Não acho que os benefícios sejam tão maiores que os custos que justifiquem medidas destas. Tenho noção da preciosidade que significa ter aulas e professores mas também tenho a noção que o recreio é uma escola de vida absolutamente fantástica”. benefícios sejam tão maiores que os custos que justifiquem medidas destas. Tenho noção da preciosidade que significa ter aulas e professores mas também tenho a noção que o recreio é uma escola de vida absolutamente fantástica”.
Se, por um lado, existe a “ideia demasiado tecnocrática da educação”, o unschooling surge no extremo oposto, com uma visão “aparentemente muito ecológica, em que as crianças parecem ter o direito a uma liberdade sem limites ”. Eduardo Sá defende que “estes dois extremos tocam na mesma questão”: a necessidade de repensar a escola como hoje se conhece.
“Compreendo que a determinada altura haja muitos pais – e fico contente com isso – que comecem a desenvolver o seu direito à rebelião: queremos uma escola mais viva, menos tecnocrática e mais humana”, sublinha o psicólogo, que receia que o unschooling possa ser uma “reação extrema” ao sistema de ensino português, que, em jeito de brincadeira, diz, já “devia fechar para obras”.
“Há razões para debater até às raízes o sistema educativo, que muitas vezes é um sistema formal, massificante, aborrecido e que desperdiça tempo precioso das crianças – em muitas escolas, o verdadeiro tempo de aprendizagem é o recreio”, acrescenta o pediatra.
HÁ CADA VEZ MAIS “EXPLORADORES MULTIFACETADOS”
No último ano, o número de crianças em ensino doméstico quase triplicou (os dados disponibilizados são apenas referentes ao ensino doméstico, não sendo possível apurar quantas são as famílias em unschooling). Se em 2014/2015 eram 199, em 2015/2016 esse número aumentou para 564. Segundo dados do Ministério da Educação, este é o ano com mais alunos em ensino doméstico desde 2012.
No entanto, Sofia Gallis, do Movimento Educação Livre (MEL), acredita que estes números não correspondem à realidade. São muito mais, defende. “Há muitas transferências feitas e não sei se são tomadas em conta. A nossa realidade é que os pedidos de transferência para ensino doméstico após o ano letivo ter começado são superiores”.
ENSINO DOMÉSTICO EM PORTUGAL
Segundo a presidente da MEL, as famílias não sabem que é possível fazer ensino doméstico nem conhecem os procedimentos a adotar e só quando já têm os filhos na escola é que percebem que existem outras opções. “A partir de setembro é o caos, toda a gente quer saber o que é o ensino doméstico. Como ainda estão no início das aulas, sentem-se confortáveis para fazer a transferência. Por vezes, as escolas dificultam o processo, porque no ato de inscrição é automático – está lá a cruzinha e está feito -, já uma transferência implica um pedido e um deferimento. Dá mais trabalho”, explica.
Explicar o porquê do aumento do número de “crianças livres” neste ano letivo não é fácil. Aliás não há propriamente uma justificação oficial ou certa para o fenómeno. A MEL confirmou que dos seus associados grande parte seguia o ensino doméstico e que cada vez há mais pais a procurar “pedagogias alternativas, o que não é muito fácil de encontrar em Portugal”.
“Está relacionado com um processo de tomada de decisão, de uma consciência ponderada. Reparamos também que nos últimos dois anos temos muitos alunos a entrar pela primeira vez em ensino doméstico no 2º ou 3º ciclos, e até no 10º. São casos em que sempre andaram na escola e agora os pais e os filhos já não aguentam mais”, conta Sofia Gallis.
Outra das razões apontadas pela associação está relacionada com o surgimento de mais estruturas e projetos que dão apoio às famílias, como por exemplo os centros de explicações. As famílias poderiam não ter tempo suficiente para acompanhar o filho e assim, sabem que, por exemplo, três vezes por semana eles podem estar ali num espaço e fazer atividades académicas ou lúdicas. “Isso também dá um suporte maior aos pais”, justifica.
CADA FAMÍLIA, CADA ABORDAGEM PEDAGÓGICA
“O ensino doméstico é lecionado no domicílio do aluno por um familiar ou por pessoa que com ele habite. A responsabilidade pelo percurso formativo do aluno é do respetivo encarregado de educação, ou do próprio, quando maior”, esclarece ao Expresso o Ministério da Educação.
A lei define que o aluno tem de estar inscrito num agrupamento de ensino e precisa de ser avaliado no final de ciclo, para atestar que aprendeu os conteúdos. E os unschoolers cumprem a lei. Ao longo ano “escolhem abordagem pedagógica”, que pode ser a de não dar aulas.
Foi sobretudo a nível comportamental e emocional que Lara notou mudanças nos filhos. Se Henrique era uma criança mais irrequieta e “que fazia birra para ir para a escola”, Simone era mais calma e o desafio foi fazê-la perceber “que tinha voz”. “É mais fácil educar uma crianças que obedece e não faz asneiras. Com ela, fiz o processo contrário porque acredito que é com os pais que aprendem que têm voz e que podem contrariar. Não contrariar só porque sim mas porque têm uma opinião e fazem valer e compreender que a sua opinião vai à frente se for argumentada”, diz Lara.
Agora, birra é coisa rara lá por casa. Desde de que estamos em casa é uma criança totalmente diferente, pois “há tempo e a atenção necessária”. Já Simone aprendeu as expressar as opiniões e a argumentar. “A ligação que eles agora têm comigo é muito melhor. Não tem comparação”, comenta.
Se não vão à escola e não fazem testes, como é que as “crianças livres” têm notas e passam de ano? Até aqui, todos estes alunos tinham a obrigação de realizar os exames às disciplinas nucleares no final de cada ciclo, tal como no ensino regular. A estes acrescentavam-se as provas de equivalência a frequência a todas as outras disciplinas. Era a aprovação ou chumbo nestes testes que definia a transição para o ciclo letivo seguinte.
Mas agora não há exames nacionais para o 4º e 6º ano. Foram substituídos pelas provas de aferição no 2º, 5º e 8º anos. Ninguém parece saber ao certo em que situação ficam os meninos e meninas em ensino doméstico.
BRINCAR, BRINCAR, BRINCAR
É esta a palavra de ordem. No quarto de Henrique, Simone e o irmão construíram uma tenda: “Não tem nada que saber”, é apenas preciso “umas cadeiras, uns lençóis” e voilá.
Henrique é o grande companheiro dos dias de Simone, mas claro “também há momentos em que não se podem ver à frente”. A menina lê, escreve, faz judo, toca piano, brinca com bonecas… Tudo tal qual uma criança de sete anos. A diferença é que o faz quando quer. E em todas estas atividades está a aprender, garante a mãe.
“Fazemos coisas que surgem por iniciativa dela. A obrigatoriedade tira-nos o interesse para as coisas, por mais que antes tenhamos esse interesse. As duas já escrevemos um livro: ‘Se eu fosse’”, conta Lara. “Não mostres mãe!”, interrompe Simone meio envergonhada, bem ao jeito de um artista que não quer mostrar a obra de arte antes de terminada.
O psicólogo Eduardo Sá admite que a aprendizagem com aquilo que se tem à mão não é “necessariamente pior” do que ir à escola. No entanto é mais complicado e implica estratégias pedagógicas muito pensadas. “Acho muito importante que as crianças convivam com vida à volta delas mas penso que também é muito importante que, além de tocarem na realidade em que aprendem, ponham nomes a tudo isso. Temos de conjugar a vida e os livros”.
Não há nenhuma casa de bonecas igual à que Simone tem no quarto. A menina e os pais aproveitaram o espaço que outrora fora de uma porta ou de um armário e prenderam na aduela plaquinhas na horizontal e vertical. Assim se definiram as várias divisões. Lá dentro, os móveis são maioritariamente de esferovite e madeira. Só por acaso encontramos um ou outro de plástico e no típico cor-de-rosa forte (que tanto se vê à venda nas superfícies comerciais).
Este é o segundo ano que Simone está no sistema de ensino doméstico. Nos primeiros tempos, Lara pediu emprestados os manuais a uma amiga que é professora, sentou Simone numa cadeira e começou a dar aulas. Bastaram dois meses para perceber que não estava a resultar.
Até aí, Simone tinha aptidão para as letras (começou a escrever as primeiras linhas aos 3 anos). Com as aulas, que nem eram diárias, a mãe começou a reparar que a menina parecia estar a ganhar “relutância” a algo que gostava. “Quando me pergunta qual é aquela letra eu não vou negar a resposta à criança… Eles começam e nós apoiamos. Ela começou a escrever coisas muito interessantes com letras maiúsculas de ouvido. Ouvia, juntava e escrevia”.
ESTAMOS A CRIAR UMA GERAÇÃO COM IMUNODEFICIÊNCIA?
“Proteger as crianças sim. Protegê-las demais, nunca”, afirma Eduardo Sá. O psicólogo teme que o crescimento da tendência do ensino doméstico possa criar uma geração “com alguma imunodeficiência adquirida”. “Protegê-las demais acaba por fragilizá-las a curto e médio prazo e, sinceramente, não acho que por mais que elas possam ter eventualmente conhecimentos mais robustos disto ou daquilo”, explica.
Tanto Eduardo Sá como Mário Cordeiro são apologistas da ida à escola, considerando que os ganhos do ensino doméstico não superam as perdas de não estar inserido num maio plural e de socialização como os estabelecimentos de ensino. Com os pais e em casa “ficam comprometidos muitos aspetos da vida” como a competição, a idealização, a gestão de conflitos e rejeição e o afastamento dos outros. Pode ainda ficar limitada na socialização e no desenvolvimento das suas competências comunicacionais.
“Não competir por um conhecimento não é saudável. Perceber que há colegas que chegam às mesmas soluções por outros caminhos é uma coisa saudável”, diz Eduardo Sá. “A ideia de uma casa na pradaria pode ser muito romântica mas desadequada aos nossos dias. Uma coisa é criticar a vida urbana e tentar modificar, para melhor, o que existe. Outra é voltar atrás, recusar tudo e pensar apenas no passado ou mesmo no hoje, ignorando que há uma coisa chamada futuro, o qual começa a ser construído todos os dias, na vivência do quotidiano”, acrescenta Mário Cordeiro.
A questão da aprendizagem através da realidade e do quotidiano parece ser a maior beneficio do ensino doméstico. Mas isto poderia acontecer em qualquer escola, bastava que a adequar os conteúdos e a forma de conversar com os alunos.
“QUIS SER PROFESSORA PORQUE GOSTAVA DE CRIANÇAS. DEIXEI DE O SER PORQUE GOSTO DE CRIANÇAS”
Às quintas é dia de Quinta. Um grupo de 35 crianças e os pais juntam-se num espaço ao ar livre. Entre as árvores há tendas, trampolins e muito por onde correr e saltar.
Na Quinta, a tenda maior parece um baú do tesouro em ponto gigante. A cada passo pela alcatifa verde, uma nova descoberta. Há cabides com disfarces, cordas para baloiçar, trapézios, bolas, carrinhos e muito mais. Lá dentro cada um pode ser o que quiser. Naquela quinta-feira era o dia dos piratas.
Simone e Henrique chegam com a mãe, Lara, à Quinta pouco depois das 15h. É aí que encontram Agnes Sedlmayr e os três filhos: Timo, de 8 anos, David, de 5 anos e Svenya, com quase um ano. A mãe do trio nasceu na Alemanha, mas chegou a Portugal aos oito anos e foi por cá que viveu e estudou. Hoje, aos 38, e à semelhança de Lara Ferreira, é responsável pelo percurso em ensino doméstico dos filhos.
Antes da maternidade, Agnes foi professora. Deu aulas a miúdos e graúdos. Ensinou inglês, alemão e português, tanto no público como no privado. E todos os dias tinha a sensação do sistema educativo tradicional não contribuir “para o desenvolvimento cognitivo e emocional dos alunos”.
“Deixei a profissão ainda antes de ter filhos. Fui para professora porque gostava de crianças e deixei de ser professora, exatamente porque gosto de crianças. Acho impossível que 25 ou 30 crianças estejam todas fechadas na mesma sala, interessadas ao mesmo tempo pelo mesmo assunto, que por acaso até está no currículo. Para uma aprendizagem ser ao ritmo e de acordo com os talentos e interesses de cada criança, tinha que ser um professor para um aluno. E isso numa escola é impossível”, justifica Agnes.
Timo e David já falam alemão com a mãe, português com o pai e inglês com os amiguinhos do grupo Escolha Livre (uma boa parte das famílias não são portuguesas). Ambos nunca tiveram uma única aula, foram aprendendo “tendo em conta os interesses e a sua personalidade”.
“AS NOTAS NÃO TÊM QUE INFERNIZAR A VIDA DOS FILHOS MAS TÊM QUE PREOCUPAR OS PAIS”
Assim como Simone, também Timo será avaliado. Agnes não duvida que, se o filho fosse a exame neste momento, passaria sem dificuldades. Caso isso não acontecesse, relembra Agnes, o menino poderia sempre repetir as provas, assim como as crianças que frequentam a escola. O exame não “é sinal de competência”, houve outras aprendizagens.
“A nível emocional são muito seguros de si e têm uma auto estima muito boa, são muito sinceros, espontâneos e nada envergonhados. Não pensam que têm de fazer as coisas para agradar aos outros, para fazer boa figura ou porque vão ser avaliados. Conhecem os seus próprios limites e param quando sentem que os estão a ultrapassar, sem para isso necessitarem de castigos, ameaças ou coerção”, conta a antiga professora. Timo “devora livros”.
Por dia lê pelo menos dois. Agnes acredita que talvez o gosto pela leitura não fosse tanto, se o filho andasse na escola. “Aprendem muita coisa. Talvez os outros também aprendam, mas aprendem pela repetição e memorização, por medo de más notas e pela pressão de pais e professores. No ensino doméstico, as crianças têm a possibilidade de aprender por motivação intrínseca. A maioria das crianças da idade deles não gostam e ler”, acrescenta.
Numa sociedade em que os rankings fazem parte do quotidiano e as notas expressam alguma importância ao longo do crescimento, o abdicar destas preocupações também é razão de “receio” para o psicólogo Eduardo Sá. “[As notas e avaliações] Não devem servir para infernizar a vida dos filhos mas têm que preocupar os pais. No limite, acho que não estão a proteger os filhos. E não estando a proteger tanto os filhos como deveriam, claro, correm o risco de ser um bocadinho negligentes”, considera.
“Pode não estar preocupado… mas tem de pensar que vive num sistema que, errado ou certo, é onde a criança vai viver. Será que para a poupar do que pensa ser uma violência não a está a orientar para uma vida com problemas de integração?”, questiona Mário Cordeiro.
Lá para as 6h da manhã, os miúdos já estão a pé. Acordam cedo e cheios de “inspiração e vontade de fazer mil e uma coisas”. Passeiam pelo rio e o mato. Trepam às árvores e mergulham nas águas. Em casa, “brincam muito, constroem legos e ajudam na horta”. Um dia na vida de Timo e David não tem espaços em branco.
Na aldeia, já todos sabem que os dois andam sempre por perto. “Eles veem a vida real: nos correios são eles que põem os selos e no café vão ter com a padeira para ver como se faz o pão, ajudam o moleiro a fazer a farinha… São muito amados e mimados por toda a gente, pois são os únicos que andam por lá enquanto todos os outros estão fechados na escola”.
Agnes não prende os filhos e garante que se alguma vez lhe pedirem para irem à escola, irão. Mas por agora nem Timo nem David parecem interessados. “Coitados dos outros meninos, estão ali o dia todo presos, sem poderem fazer o que querem”, dizem os irmãos. “Dizem-me que quando crescerem querem ser exploradores multifacetados, o que na realidade já são. Exploram o mundo real diariamente, em todas as suas vertentes”, conta a mãe.