Nós e a Europa

Notícias Magazine | 05.09.11

Os professores portugueses ganham muito menos do que os colegas europeus? E os nossos alunos têm mais férias? E as raparigas são melhores alunas do que os rapazes? Analisámos os números publicados pelo Eurydice, o organismo de estatísticas de educação da UE, e respondemos a essas e a outras questões.

Setembro é o mês do regresso às aulas em Portugal e em mais alguns países da Europa. Na Bélgica as escolas reabriram em 1 de setembro, tal como na República Checa e na Irlanda. Em França e na Eslováquia, o ano letivo começou um dia depois, a 2 de setembro. Em Espanha, os alunos voltam à escola na mesma altura dos colegas portugueses, tal como os austríacos. Já as escolas italianas e as turcas têm de abrir portas até 20 de setembro. Mais tarde, só em Malta (27 de setembro). Nalguns países europeus, o ano letivo começou ainda durante o mês de agosto: no dia 1 em vários estados da Alemanha, a 10 na Dinamarca, a 17 no Liechtenstein, entre 10 e 17 na Finlândia e entre 15 e 23 na Noruega e na Holanda.

O fim do ano letivo também varia. As aulas acabam dia 1 de julho para os alunos austríacos e dia 2 para os franceses. Entre 8 e 16 de junho são os italianos que entram de férias e dia 22 de junho é a vez dos portugueses.

Férias para todos os gostos

Natal, Páscoa e verão são sinónimos de férias para todos os alunos de todos os países da União Europeia (UE). O que varia é o número de dias de descanso. Embora no Natal a maioria das escolas encerrem durante duas semanas, o período de férias de verão regista muitas diferenças entre países – nove semanas na Áustria, na República Checa e na Bélgica; seis semanas na Dinamarca e na Alemanha; 10 a 11 semanas na Finlândia, 12 semanas na Grécia e em Portugal (exceto para os alunos do 9.º, 11.º e 12.º anos, que têm exames nacionais), 12 a 13 semanas em Itália. Na maioria dos países da Europa Central e do Norte, os alunos descansam mais uma semana no outono e na Alemanha, por exemplo, ainda há as férias de inverno, 13 dias que geralmente se gozam por altura do Carnaval. No ano letivo 2010/2011 as escolas também não abriram portas nos feriados nacionais e religiosos – dois dias na Finlândia, três na Alemanha e na Dinamarca, cinco em França, sete na Áustria, onze em Portugal.

Sucesso escolar e género

As raparigas obtêm melhores resultados escolares do que os rapazes. Eles também têm mais probabilidades de reprovar e de repetir um ano do que elas. As jovens revelam mais dificuldades na aprendizagem da matemática; para eles, a leitura é que é o problema. Mas o que os estudos têm demonstrado é que, mais do que nascer homem ou mulher, é o nível socioeconómico da família que mais influencia o sucesso académico dos estudantes. Todavia, os papéis e os estereótipos tradicionalmente associados ao género continuam a refletir-se na escolha dos cursos que os jovens frequentam no ensino secundário. O mesmo à entrada da universidade, onde as raparigas já estão em maioria. Constata-se uma predominância feminina nos cursos ligados à educação, saúde, bem-estar, ciências humanas e artes, enquanto os rapazes ocupam a área das tecnologias e engenharias.

Quanto ganham os professores?

Em Portugal, no princípio da carreira, um professor do ensino público recebe anualmente 21 261 euros. Já um professor no topo da carreira aufere 43 285 euros. Os valores reportam ao ano letivo 2009/10 e podem ser consultados no estudo Teachers and school Heads Salaries and Allowances in Europe, 2009/10, na página da internet do Eurydice, o organismo de estatísticas da educação da UE que avalia e compara as remunerações dos docentes e dos diretores de escola nos vários países.

Segundo este documento, na Alemanha o salário anual dos professores varia entre 38 000 e 51 000 euros, para a primária, e entre 45 000 e 63 000 euros para o secundário. Em Espanha, um professor do 1.º ciclo recebe entre 29 000 e 40 000 euros e um professor do ensino secundário aufere entre 35 000 e 49 000 euros por ano. França não regista grandes diferenças. Um professor do ensino primário recebe entre 22 000 e 44 000 euros e um do ensino secundário pode chegar aos 46 000 euros no topo da carreira. O Luxemburgo paga mais aos seus docentes: um mínimo de 63 000 euros por ano para os docentes do primeiro ciclo, que no final da carreira podem receber 112 000 euros. Um colega do ensino secundário começa por ganhar 72 000 euros por ano e quem estiver em final de carreira aufere 125 000 euros. Bem menos ganham os professores búlgaros que, por ano, levam para casa entre 6700 e 10 900 euros. Os modelos de avaliação dos professores e de progressão na carreira diferem entre os países.

Diretores de escola ganham em função do número de alunos

Em Portugal, as remunerações anuais dos professores que ocupam cargos de direção variam entre 29 661 e 51 685 euros se se tratar de uma escola do 1.º ciclo com menos de oitocentos alunos e entre 31 761 e 53 785 euros se dirigirem uma escola secundária com mais de 1200 alunos. Os diretores das escolas ou agrupamentos com mais de 1200 alunos recebem um suplemento mensal de 750 euros, que acresce ao seu salário-base. O valor do suplemento do diretor adjunto é 400 euros. Se o número de alunos da escola variar entre 801 e 1200 alunos, o valor do suplemento da direção é de 650 euros para o diretor e 355 euros para o diretor adjunto. Os diretores das escolas com menos de oitocentos alunos recebem 600 euros e os adjuntos 310 euros. O salário médio de um professor com cargo de direção é 43 000 euros anuais.

Na vizinha Espanha os salários anuais dos professores que desempenham cargos dirigentes variam entre 35 000 e 53 000 euros e em França oscilam entre 37 000 e 63 000 euros por ano. Já o diretor de um agrupamento de escolas na Holanda recebe entre 36 000 e 99 000 euros por ano. Na maioria dos países europeus, a remunerações dos diretores depende do número de escolas que têm a cargo, do número de alunos, de professores e funcionários.

TIC em casa

A maior parte dos alunos europeus tem acesso às novas tecnologias da comunicação e informação nas escolas que frequentam e em casa também têm computador com ligação à internet. Os portugueses não são exceção. Segundo dados de 2009, quase oitenta por cento dos nossos estudantes com 15 anos tinham essa ferramenta disponível nas suas residências. Mas o que o estudo também demonstrou é que os alunos utilizam o computador e acedem à internet sobretudo para atividades recreativas e menos para fazer os trabalhos de casa.

Ensino obrigatório

Ir à escola e aprender é obrigatório a partir dos 6 anos na grande maioria dos países da UE. Mas na Hungria, em Malta, nos Países Baixos e no País de Gales as crianças começam a ir à escola aos 5 anos. Mais cedo, aos 4 anos, só no Luxemburgo, na Irlanda do Norte e em Chipre. O ensino é obrigatório até ao 13.º ano na Holanda e na Hungria, até ao 12.º em Portugal e na Irlanda do Norte e até ao 11.º ano na Escócia, País de Gales, Malta, Luxemburgo e Letónia. Na Dinamarca, Alemanha, França, Itália, Espanha, Polónia, Noruega, entre outros, o ensino obrigatório tem a duração de dez anos. Entre os poucos países que ainda mantêm o ensino obrigatório até ao 9.º ano encontra-se a Bélgica, a República Checa e a Eslovénia.

Apoio às famílias migrantes

Toda a gente sabe que o envolvimento dos pais na educação dos filhos é importante para o sucesso escolar das crianças mas os pais migrantes, porque não compreendem a língua, enfrentam muitas dificuldades. Para resolver esta situação, as escolas do Luxemburgo, por exemplo, publicam todos os documentos oficiais em francês e alemão (as línguas oficiais), bem como em português (língua materna de vinte por cento dos alunos) e todas as informações e convocatórias enviadas para os pais podem ser traduzidas, a pedido, noutras línguas. O ME tem mediadores interculturais e tradutores contratados para o efeito. Na República Checa e no Liechtenstein são os serviços sociais de apoio aos migrantes que publicam informações sobre o sistema de ensino em diversas línguas. No Reino Unido foi criado um website multilingue para crianças recém-chegadas e respetivos pais. Em Portugal, o Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural publica brochuras sobre o sistema educativo, os direitos dos alunos e dos pais e estas podem ser consultadas no website. As escolas portuguesas também podem solicitar serviços de interpretação de mediadores socioculturais. Mais informação sobre este assunto no estudo Integração Escolar das Crianças Imigrantes na Europa, no site da Eurydice.

Todos diferentes, todos iguais, todos melhores

Notícias Magazine | 30.08.11

Liberdade, igualdade, fraternidade. Os princípios são da Revolução Francesa, mas iluminam os corredores, salas de aula e outros espaços da Helsingin Medialukio, uma escola secundária finlandesa nos arredores de Helsínquia. Dois dias entre alunos e professores chegaram para responder à pergunta que nos fez percorrer os cerca de quatro mil quilómetros que separam Portugal da Finlândia: por que razão é este país líder mundial em educação?

Nos arredores de Helsínquia, numa tranquila zona residencial chamada Tapanila, onde dominam o verde e as casas de madeira, destaca-se um edifício térreo moderno, longe do que os olhos portugueses reconheceriam como uma escola secundária. São oito da manhã de 23 de agosto, um dia que amanheceu cinzento na capital da Finlândia, depois de uma noite carregada de chuva. Ainda assim, uma correnteza de bicicletas, meio de transporte privilegiado por estas paragens, perfila-se à entrada da Helsingin Medialukio, uma das maiores escolas do país, com 830 estudantes e 56 professores.

O ano letivo começou há uma semana, mas todos, mesmo os «caloiros», parecem já conhecer bem os cantos à casa e usufruí-la como se fosse sua. Talvez porque o seja realmente. Afinal, o ensino na Finlândia, do pré-escolar à universidade, é inteiramente público e gratuito.

As aulas já se iniciaram e no átrio e corredores vazios só se ouve o silêncio. A escola não tem portões e a porta principal do edifício está aberta a quem queira entrar. E ninguém estranha os forasteiros. Não é a primeira vez que a Helsingin Medialukio recebe visitas de fora. Desde que, sucessivamente, em 2000, 2003, 2006 e 2009, este país do Norte da Europa assumiu a dianteira no PISA – Programme for International Student Assessment -, um estudo da OCDE que avalia as competências dos alunos de 15 anos em leitura, matemática e ciências, tendo contado na sua última edição com a participação de 65 países, entre os quais Portugal, que paulatinamente tem vindo a melhorar o seu desempenho, ocupando neste momento o meio da tabela, as escolas básicas e secundárias finlandesas são visitadas amiúde por professores, autoridades e jornalistas de todo o mundo, em busca da receita para o sucesso.

Um sistema mesmo público

A sala está cheia de cabeças loiras e olhares azuis que se desviam, quase assobiando para o ar, das perguntas da jornalista. O professor, a braços com uma inundação em casa, fruto da chuvada noturna, teve de faltar e Pekka Luoma, o principal, equivalente ao nosso diretor, considerou que podia ser esta uma boa oportunidade para uma troca de opiniões com os estudantes, mas adolescentes são adolescentes, em toda a parte do mundo, e não os obriguem a falar. Apesar de esta ser uma escola secundária que, a par do programa de ensino geral, oferece um programa especializado em media, nenhum dos presentes parece ser fã de jornalistas. Oskar, 15 anos, o mais atrevido, diz mesmo que não gosta da espécie. Porquê? «Porque não», diz num encolher de ombros desafiador. Seja. O espanto aflora a muitas caras perante a «notícia» de que os alunos finlandeses são os melhores do mundo. Poucos sabem o que é o PISA e por isso não têm opinião sobre o segredo do seu próprio sucesso. A não ser Ectu, 15 anos, que, lá do fundo, timidamente, se dirige ao diretor, em finlandês: «A educação é muito valorizada na Finlândia e o dinheiro dos impostos é investido para que todos tenham acesso igual à escola e aos estudos», afirma. Este é o primeiro ano de Ectu, que iniciou há uma semana o ensino secundário, na Helsingin Medialukio. «É melhor do que esperava», conta, já em inglês, no recreio da escola, apanhado a caminho de uma aula de educação física, uma das suas favoritas. «O ambiente é muito bom, os professores são simpáticos e temos liberdade de escolher aquilo que aprendemos. Ainda não sei o que quero, mas línguas e desporto são as minhas áreas preferidas», acrescenta, antes de desaparecer a correr.

De facto, uma das particularidades que ressalta da prestação dos alunos finlandeses no PISA ao longo da última década é que, além de ocuparem, de forma consistente, os primeiros lugares, demonstram uma enorme uniformidade entre escolas das diversas regiões do país e estudantes de diversas origens e níveis socioeconómicos, sendo a diferença entre os melhores e os piores relativamente baixa, o que permite concluir que as escolas na Finlândia levam a sério a igualdade de oportunidades, «apagando» o background familiar enquanto variável para o sucesso ou insucesso dos estudantes. Dentro da escola são todos iguais, mesmo quando são diferentes.

Pekka Luoma procura explicar: «O sistema de ensino no nosso país está divido em três graus: nove anos de ensino básico, obrigatório; o ensino secundário, geral ou vocacional, que pode ser feito em dois, três ou quatro anos; e o ensino superior, divido em universidades e politécnicos.» Aparentemente, semelhante ao que existe em Portugal. Aparentemente… «Na Finlândia, praticamente não existem escolas privadas, o ensino é quase inteiramente público e gratuito e portanto todos os alunos têm acesso ao mesmo currículo. E procuramos que, através da escola, tenham acesso a mais do que a mesma educação. Os livros e material escolar são gratuitos, assim como o transporte para os que moram longe, além de que a escola proporciona uma refeição quente diária, acesso a assistência médica e de dentista e aconselhamento psicológico, quando necessário», acrescenta o diretor.

As crianças e adolescentes com problemas ou necessidades especiais não são esquecidas, faz questão de salientar Veli-Matti Holtari, student counselor (professor tutor): «Há uma grande preocupação com a inclusão e a intervenção precoce nas escolas finlandesas e todas elas têm um professor do ensino especial, que tem como missão trabalhar com os outros professores para identificar os alunos que precisam de maior atenção e dar apoio no trabalho a desenvolver com estes, para que possam atingir o nível dos outros colegas. Além disso, e isto está relacionado com o que explicava o nosso diretor, o que existia apenas na escola básica, passou, há dez anos, a existir também nas secundárias: uma equipa multidisciplinar de acompanhamento dos alunos, constituída pelo diretor, o professor de educação especial, a enfermeira e o psicólogo da escola e um assistente social, que duas vezes por mês reúnem com os professores para fazer o ponto da situação e perceber se há casos que precisem de ajuda, intervenção ou encaminhamento para outros serviços, de saúde ou sociais.» Um sistema de apoio que explica muita coisa, nomeadamente como é que se põe em prática a igualdade de oportunidades.

Uma questão de confiança

Neste país recente – a Finlândia tornou-se independente da Rússia em 1917 -, três vezes maior do que Portugal e com metade da população do nosso país, grande parte dela concentrada nas grandes cidades, que nos anos noventa esteve à beira do colapso financeiro e se reinventou economicamente através das novas tecnologias e das telecomunicações, foi feita nos anos setenta uma opção clara no que respeita à educação: torná-la uma prioridade e fazer dela universal. O ensino passou a ser público e gratuito, dividido, como já se viu, em ensino básico, secundário e universitário e, à exceção deste último nível, a gestão das escolas está a cargo das próprias e dos municípios, cabendo ao governo central, através do Ministério da Educação, apenas a tutela e a definição do currículo nacional e das linhas gerais e políticas, não se desperdiçando tempo nem recursos em burocracia. As palavras de ordem na Finlândia parecem ser autonomia – das escolas, dos professores e até dos alunos – e confiança, de todos, uns nos outros. Uma reforma que, em quarenta anos, está a dar, comprovadamente, os seus frutos.

Percebe-se ao deambular pela Helsingin Medialukio que o sistema é já intrínseco e talvez por isso os alunos, agora na hora do almoço, não consigam verbalizá-lo muito bem. Para eles é normal deixarem todos os seus pertences à porta do refeitório, sem medo de serem roubados enquanto vão almoçar, todos os dias, a expensas do município, uma refeição que hoje é de hambúrguer, puré, salada, peixe com molho de natas, pão e leite ou água, assim como não é de estranhar que as salas disponham de todos os materiais necessários ao bom funcionamento da aula e estejam equipadas com vários computadores ligados à internet, como aqueles que estão disponíveis num espaço contíguo à biblioteca e que são usados nas horas livres para as mais variadas atividades, desde o estudo e pesquisa de informação ao entretenimento. Queixam-se até, como a Linda, 18 anos, em tom de brincadeira, de que há poucos sofás. Sim, à pergunta «o que mudavas na tua escola?», a resposta da rapariga foi «comprava mais sofás!». E apesar de, como Henna, 17 anos, estarem satisfeitos com a possibilidade de estudar fotografia, televisão, rádio e outras linguagens mediáticas, não é para eles nada do outro mundo terem um enorme estúdio muito bem equipado, difícil de encontrar até em algumas universidades portuguesas que lecionam ciências da comunicação. «As verbas investidas na educação são canalizadas sobretudo para a escola e para a sala de aula, permitindo aos estudantes condições de aprendizagem e aos professores condições de trabalho», explica o diretor, Pekka Luoma, que ao descrever o papel do professor nas escolas finlandesas, nomeadamente na que dirige, torna ainda mais clara a apropriação da autonomia pelos vários atores e a forma como ela funciona. «Os professores têm toda a liberdade e independência para, de acordo com as linhas gerais traçadas pelo ministério, decidirem o que ensinam e como ensinam. Aliás, são eles que escolhem os manuais escolares e restantes materiais pedagógicos. A Finlândia tem muita confiança nos seus professores.»

«Temos os melhores professores do mundo»

«Isso é porque temos os melhores professores do mundo», afirma sorrindo o counselor Veli-Matti Holtari. «Todos os nossos professores, do ensino básico ao secundário, têm de ter o mestrado. O nosso país há décadas que leva muito a sério a formação de professores e por isso temos profissionais muito bem preparados.», explica. É na sala deles que estamos agora, um espaço confortável e bem iluminado que não foge à regra do resto da escola.

Jonna Suoponja, professora de finlandês, chegou há apenas uma semana, como tantos dos seus novos alunos. Confirma que na Finlândia a sua profissão é muito valorizada e benquista, mas sublinha que os salários modestos que estes profissionais auferem, sobretudo no ensino básico, pode inverter a tendência. «Muitos finlandeses consideravam a carreira de professor aliciante, pelo prestígio, pelo desafio e pelas condições de trabalho, mas há profissões em que se ganha muito melhor…». A colega de alemão Maija Nikunlassi concorda e diz mesmo que «os professores são muito simpáticos e não querem ter problemas, mas talvez precisassem de lutar mais por melhores salários. Não estamos contentes com os nossos sindicatos.» As turmas grandes de mais – «por vezes, temos trinta estudantes numa sala de aula» – e o número crescente de imigrantes são uma preocupação para estas duas professoras, que não veem o futuro tão brilhante como tem sido até aqui. Maija levanta mesmo a dúvida se a questão da igualdade de oportunidades não estará a criar o efeito «perverso» de não permitir «que os alunos muito bons tenham condições para ir mais longe. Na média, somos os melhores, mas ao nivelarmos tudo pela média, não estaremos a criar obstáculos à excelência?». Pekka Luoma reconhece que esta é uma discussão que está a iniciar-se no seu país. O diretor entende que quem é excelente pode sempre ser excelente. Trata-se no fundamental de subir a fasquia e não de a baixar, ainda que sob o pretexto de criar excelência (leia-se uma elite).

De volta à sala dos professores, impõe-se a pergunta que em Portugal agita as hostes: e a avaliação? Como é o sistema de avaliação dos professores na Finlândia?

Não existe. E essa, segundo a publicação da OCDEStrong Performers and Successful Reformers in Education: Lessons from PISA for the United States, seria uma das lições que outros países teriam a aprender com a Finlândia, se quisessem, apesar de «a confiança, claro, não poder ser legislada. Mas o facto de parecer existir muito pouco interesse no país em instituir um sistema de avaliação dos professores como os que caracterizaram as reformas estratégicas de vários países da OCDE, é talvez a maior evidência da extrema confiança que existe entre os educadores e a comunidade. Dada a extraordinária performance do sistema de ensino finlandês na última década, esta talvez seja uma lição que outros queiram estudar.»

«Na Finlândia, a escola é dos alunos»

Tempo de intervalo. Cá dentro, o átrio enche-se de miúdos entre os 15 e os 19 anos e às cabeças loiras e aos olhos azuis de há pouco juntam-se outras tonalidades. Aqui um grupo de raparigas somalis de lenço islâmico a cobrir a cabeça conversam enquanto ali uns cabelos castanhos e olhos muito verdes fazem grupos com os loiros dominantes e os mais raros africanos. Lá fora, junto ao parque de estacionamento, o ponto de encontro é para fumar. Apesar da algazarra, o ambiente, tanto exterior como interior, é tranquilo e disciplinado.

Dez por cento dos alunos desta escola são filhos de emigrantes. Kaniso Ibrahim, 17 anos, nasceu na Somália e está cá há cinco anos. O lenço islâmico e o tom de pele diferenciam-na, mas ela não dá pela diferença nem a sente por parte dos outros. Quer ser médica e voltar ao seu país, mas agradece a este que a acolhe a escola de que usufrui. Ermin, 18 anos, sérvio, espera usar o que está a aprender na Finlândia para vir a ser presidente do seu país, diz, entre duas garfadas de puré, este nacionalista de esquerda. Ângelo, 18 anos, filho de um português e uma finlandesa, que nos serviu de guia e por vezes intérprete, é claramente mais latino do que nórdico e aspira a viver em Portugal. Não partilha da reserva e seriedade dos seus compatriotas nórdicos e sente-se diferente, mas garante que na escola nunca se sentiu discriminado. «Existe racismo na Finlândia, mas não nas escolas.» Estudou português, a par do finlandês, como todos os filhos de imigrantes estudam a sua língua materna e vê na liberdade de escolher o seu próprio programa de estudos a maior virtude do sistema. «Quando estudamos aquilo de que gostamos, os resultados são necessariamente melhores.»

«Os estudantes sentem-se em casa quando estão na escola e esse é um dos pontos fortes do nosso sistema de ensino finlandês. Existe muita familiaridade entre alunos e professores e as ideias daqueles são valorizadas. É-lhes pedida participação, opinião e intervenção a vários níveis, para que contribuam para melhorar o espaço onde estudam. Os alunos são sujeitos e não objetos, na escola finlandesa», afirma Pekka Luoma. Uma cultura que começa a ser incutida desde o primeiro ano do ensino básico, com o estímulo da liberdade, da criatividade, do pensamento crítico e da autoavaliação, de tal forma que no secundário é deixada aos alunos a criação do seu próprio programa de estudos. Em dois, três ou quatro anos, cada um estabelece o seu ritmo de aprendizagem, devem escolher 75 courses (módulos), alguns deles obrigatórios, de uma grande variedade de disciplinas e, concluídos os estudos, farão o matriculation examination, um exame final, que ditará se têm a maturidade e os conhecimentos necessários para passar ao ensino superior.

«Não é por acaso que lhes é dada esta responsabilidade de criar o seu programa individual de estudos. Está de acordo com os princípios que norteiam todo o nosso sistema. Na Finlândia, a escola é dos alunos», conclui o dir